"Acho que o Ira! tem essa vertente, sabe falar de política sem ser panfletário e de amor sem ser meloso", diz Nasi sobre novo trabalho da banda

11.07.2020 | 16h31 - Atualizada em: 11.07.2020 | 16h33
Por Janaína Laurindo
Repórter

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Mundo Itapema

Álbum surge após 13 anos sem um novo projeto só de inéditas.

A política sem ser partidária e o romantismo sem ser meloso são as vertentes pelas quais a banda Ira! escoo seus trabalhos nesses quase 40 anos de estrada. No mais recente trabalhado, eis o Ira! puro em Ira, que surge após 13 anos sem um novo projeto só de inéditas, sendo que por quase sete anos estiveram separados.

A banda fala de amor em Efeito Dominó, dueto de Nasi com Virginie Boutaud (ex-Metrô), que ganhou clipe assinado pelo artista visual Gustavo von Ha. O clima mod também aparece na canção que abre o trabalho O Amor Também Faz Errar e nas faixas A Nossa Amizade e Você Me Toca

Mas a essência explosiva da banda que tem o seu nome gravado na calçada do rock nacional aprece em O Homem Cordial Morreu e nas soturnas A Torre e Eu Desconfio de Mim. Em Mulheres à Frente da Tropa o protagonismo feminino, as questões políticas e sociais do nosso tempo, ganham espaço na voz de Edgard Scandurra, que é também compositor da canção.

Em entrevista exclusiva para a Itapema, Nasi fala sobre o som adulto e contemporâneo deste novo álbum, fala de política, de cultura e de como tem se reinventado durante o período da quarentena. Confira:

Por que demoraram tanto tempo para lançar um novo trabalho de inéditas?

Temos que levar em consideração que desses 13 anos o Ira! teve separado por quase sete e também nesse meio tempo lançamos um álbum, que não era de inéditas, mas que foi um trabalho legal, o Ira! Folk, um disco acústico e ao vivo, de 2017. Então as coisas aconteceram no tempo certo, porque encontramos as músicas à altura de um disco do Ira!, porque como é um disco de uma nova fase, do retorno, depois de todo esse tempo sem lançar material sabíamos que teríamos que lançar algo a altura dos nossos melhores momentos.

Reprodução

Como foi o processo de produção deste trabalho que foi lançado durante a quarentena?

Alguns temas foram desenvolvidos em passagens de sons, alguns instrumentais que o Edgar trazia e aproveitávamos as turnês para em passagem de som já começar a desenvolve-las. Algumas coisas o Edgar já tinha de composições, mas a gente relutou de lançar single. Gostamos do conceito de álbum e essas 10 faixas já foram colocadas pensamento em Lado A e Lado B para um futuro vinil. Quando chegamos nessa quantidade de música fomos para estúdio. Como só queríamos lançar depois do carnaval, combinamos de sair de férias e escutar bastante, para no retorno vê se teria que regravar alguma coisa. Isso aconteceu, no começo de fevereiro gravamos alguns detalhes de voz novamente, mexemos em algumas mixagens e logo quando estava pronto para lançar o primeiro single, veio a pandemia e a quarentena. Só atrasamos um mês no lançamento, se não fosse isso esse disco teria saído no começo de maio. Resolvemos soltar, além do primeiro single, colocar mais dois nas plataformas digitais para ver como a coisa ia acontecer em termos de Brasil. Em junho, ainda sem ter clareza das coisas, lançamos. Agora vamos esperar que as coisas se normalizem, deixar o público ouvir, ler as críticas e no momento apropriado poderemos viajar com essa turnê, que já tinha shows marcados e que foram cancelados.

Um dos lados positivos de lançar um álbum durante a pandemia é justamente esse, pois as pessoas estão consumindo mais músicas, não é mesmo?

Eu penso assim, se é para olhar um lado bom, um lado que não prejudica tanto, acho que é isso aí. Temos um projeto para que esse trabalho saia em vinil também, já temos a capa pronta, mas acontece que agora as fábricas também estão fechadas. Não sabemos quando vamos conseguir lançar isso, mas por outro lado as pessoas tem hoje a necessidade de ouvir coisas novas e estão com tempo para parar e ouvir mais música. Quando a vida era normal, vamos dizer assim, nos lançávamos o disco para a imprensa como estamos lançando agora e na semana seguinte já tínhamos lançamento em alguma capital. Por exemplo, quando o ira lançou seu último disco de inéditas, em 2007, não existia nem plataformas digitas, então as pessoas iam no show de lançamento e poucas sabiam cantar as músicas. Agora no final do ano, se tudo der certo, quando voltarmos a tocar, as pessoas vão ter muitos meses para conhecer o disco. É um lado interessante para observar quando a gente voltar.

Apesar de serem uma banda de rock, o Ira! sempre teve um lado mais romântico, que neste trabalho apareceu bastante. Como é esse lado da banda?

Acho que o Ira! tem essa vertente, sabe falar de política sem ser planfetário e de amor sem ser meloso. As vezes as bandas se dividem muito, ou são só românticas — e falam só sobre namoros e amores — ou então são bandas que falam só sobre política. E navegamos nisso, porque assim é a vida. Se você for ver temos grandes sucessos que falam sobre amor, como: Eu quero sempre mais, O girassol, Tolices. Mas também tiveram músicas mais politicas, como: Núcleo base, Dias de luta, Gritos na multidão. É uma característica que está bem presente nesse disco. 

Efeito dominó é uma das canções desse novo projeto e ganhou um clipe gravado durante a pandemia. Como foi gravar esse trabalho em audiovisual com tantas limitações?

A Virginie Boutaud gravou lá em Toulouse, na França. Depois ela nos colocou em contato com o diretor Gustavo von Há, que é uma artista visual de um currículo muito bacana. É uma cara que tem obras expostas na Pinacoteca do estado de São Paulo, no museu do MAC, na USP, e já fez exposições na Europa. Com imagens dos nossos celulares e arquivos pessoais de um banco de imagens dele e também cenas de cinemas que estão sob domínio público ele criou um clipe muito legal, bem criativo e psicodélico. Acho uma das faixas mais bacanas desse trabalho.

E como foi essa experiência de gravar um clipe pelo celular?

Hoje os celulares estão saindo com uma qualidade tão boa de fotografia e de filmagem, que com certeza isso já estava sendo feito. Mas agora como uma necessidade, com certeza isso vai ser desenvolvido e espero que seja um novo caminho. Quando nascemos para música, na geração da década de 1980, os clipes eram muito toscos, até os internacionais. Era a tecnologia da época. Em meados da década de 1990, com a chegada da MTV, o clipe virou uma produção cara. Um mais caro do que outro, produção de cinema. Acho que chegou hora de se criar meios para que a gente tenha aquele conceito do cinema novo: uma ideia na cabeça e uma celular na mão (rs). Acho que isso pode gerar uma produção mais viva e mais dinâmica, que sejam mais de boas ideias e não de orçamento.

Esse trabalho também já está com o clipe de Mulheres à frente da tropa, esse gravado antes da pandemia, e que foi inspirado em manifestações feminista e que fala muito do protagonismo da mulher. Qual a importância para o Ira! de trazer esse conteúdo em uma canção?

É um assunto muito importante dos nosso tempos. O John Lennon já escreveu na década de 1970, no seu trabalho solo, uma música (Woman Is The Nigger Of The World) falando que a mulher é o negro do mundo. Porque dentro das intolerâncias e das violências propagadas no mundo, as que são contra a mulher são as mais vis. A diferença no meio do trabalho, a questão do assédio, são pautas muito importantes do nosso tempo. Pautas femininas, mas nos homens temos que apoiar. O caso da Marielle, está muito emblemático e vivo nesse clipe — porque não foi só um feminicidio, foi o assassinato de uma mulher e um crime político, um crime de intolerância porque ela era uma militante LGBT e também de esquerda. No país e no mundo intolerante que vivemos hoje é importante que façamos músicas e clipes como esse tema para que exista um processo civilizacional.  

A arte e a música são capazes de ter essa força de mudança?

A música é uma das formas artísticas que você mais consegue carregar dentro de si. A mais fácil de reproduzir. A nossa memória musical e muito mais forte em relação a outras artes. Não à toa que muitas músicas marcaram movimentos dos anos de 1960 e 1970. Sempre foi a música a trilha sonora de transformações do mundo.

Nesse sentido é de extrema importância a música se entrelaçar no cenário político. Como você vê a atual situação do Brasil em relação a arte?

Com muita preocupação, na atual circunstância artistas estão sendo tratados como escorias. Veja a situação da Secretaria de Cultura — e nem é só sobre a música, porque quando estamos falando de cultura estamos falando de museus, memórias, artes plásticas, teatro... tudo isso que o Brasil é tão rico. A arte e a cultura no Brasil são queimadas todos os dias. Vivemos hoje sob um governo completamente inculto e que prega o desprezo pela cultura. O Brasil é rico em duas coisas na natureza e na cultura, que são as coisas que estão sendo mais atacadas atualmente.

Você tem usado, durante a quarentena, as suas redes sociais justamente para fortalecer esse lado mais cultural em seus seguidores com dicas de livros e filmes. Como está sendo passar esse período fora dos palcos, mas tão próximo do público, mesmo que vitualmente?

Quem disse que macaco velho não aprende truque novo tá errado (rs). Eu vou te falar que eu sempre fui bem avesso as redes sociais, eu tinha um Instagram que era profissionalizado, administrado impessoalmente, as pessoas postavam pra mim coisas de shows e eu postava sempre uma mensagem para o público da cidade que eu íamos tocar, conclamando o público para aparecer no espetáculo. Agora nesse período da quarentena eu resolvi usar esse canal para falar com o público e também manter a sanidade. Até voltei a cozinhar. Solteiro, é chato cozinhar sozinho, mas é legal mostrar para alguém. E tenho compartilhado receitas também por lá. Eu tô curtindo, isso me estimula a ler mais e a ver mais filmes. E se tem uma lado bom dessa pandemia, acho que algumas transformações vão acontecer, e pra mim particularmente é essa daí, esse canal que eu tenho com o público. E é bom, porque as pessoas têm um estereótipo dos artistas, e tinham muito sobre mim, as pessoas comentam "ah, achei que o Nasi só comia comida enlatada", vejo que as pessoas tem uma visão meio ogra de mim, agora estou humanizando um pouco o Nasi (rs).

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