BLOG
"Letter to You" chega acompanhado de um documentário da Apple TV+, dirigido por Thom Zimny
Bruce Springsteen lança na semana que vem o 20º álbum de sua carreira de 47 anos. Intitulado de Letter to You, possui uma excelente dúzia de canções de rock e uma volta ao trabalho com o seu grupo de sempre, a E Street Band, com quem ele não tocava havia seis anos.
O disco é resultado da primeira vez que Springsteen gravou ao vivo em estúdio com a banda, ou seja, com todos tocando ao mesmo tempo. O mais comum em estúdio é a bateria tocar antes, depois o baixo, em seguida as guitarras e, só lá no final, as vozes. O método ao vivo no estúdio, muito usado por Bob Dylan e Neil Young, permitiu que o álbum fosse gravado em só quatro dias. No quinto, não tendo mais o que fazer, a banda então ouviu o trabalho.
Com o disco, vai ao ar também um filme homônimo de 85 minutos, dirigido por Thom Zimny. O documentário captura o trabalho em estúdio e volta algumas vezes no tempo para situar Letter to You no escopo da carreira de Springsteen. O filme estreia no dia 23 de outubro na Apple TV+. Nesta semana, ele fez uma chamada pelo Zoom com cerca de 20 jornalistas das línguas espanhola, portuguesa e italiana, incluindo este repórter, em que detalhou diversos aspectos de seu lançamento.
"Não escrevia canções para a E Street Band há uns seis anos [desde o álbum High Hopes, de 2014]. Fiz outros projetos, o Western Stars [álbum do ano passado em que canta e toca sozinho], um filme para o Western Stars e fiquei na Broadway por mais de um ano", diz ele, que também escreveu no período a autobiografia Born to Run, lançada pela editora Leya, no país. "Enfim, me envolvi numa série de projetos, mas sempre pensando quando voltaria a fazer um disco com a banda. E, se eu conseguisse, seria um disco de rock. Para mim, essa é a música mais difícil de escrever", ele afirmou.
Faltava, no entanto, um gatilho para que Springsteen se dedicasse ao novo álbum. E aconteceu na forma da morte de um amigo próximo. "Na verdade, aconteceram algumas coisas. Um dia saí do show da Broadway e tinha um rapaz, acho que italiano, parado na rua segurando uma guitarra. Ele me deu a guitarra e eu fui autografar, mas ele disse 'não, não, é para você'".
"E era uma linda guitarra. Vim para casa, coloquei na sala e lá ela ficou por uns seis meses. Aí, soube que um amigo muito próximo, da minha primeira banda, The Castiles, estava muito doente e morreria em algumas semanas. Fui visitar. Era o último sobrevivente daquela banda e agora só sobrou eu mesmo. Foi esquisito olhar para os tempos de adolescente e ver que todo mundo tinha morrido". Springsteen faz uma digressão: "O rock'n'roll é tão básico que você aprende 90% do que vai usar nos primeiros dois ou três anos. E nós ficamos juntos por três anos, então ainda uso todas as manhas que aprendi quando estava com eles".
De volta à sua casa, ele escreveu Last Man Standing inspirado no amigo. E, depois dessa, todo o resto veio em uns "sete ou dez dias", conta. "E tudo foi escrito naquela guitarra que o rapaz tinha me dado na rua. Eu nunca mais o vi, mas devo agradecer a ele". As letras do novo disco falam muito sobre o rock em si, sobre música, sobre estar numa banda. "Eu escrevo um monte de rocks, então costumo ficar sem ideias. Ter aquela força física necessária somada a algum tipo de ideia aprofundada é uma combinação rara, sabe? Essa combinação sempre foi o mais difícil para mim, desde jovem, mas também é o que mais dá satisfação quando eu chego lá".
Sobre as gravações terem ocorrido em menos de uma semana, Springsteen mal pôde acreditar. Há discos, ele conta, cujas gravações duraram mais de um ano. "Bem, normalmente eu gravo demos [fitas de demonstração, sem qualidade final], mas é sempre um erro porque você acaba gostando demais daquela fita e tem problemas em deixar algumas ideias de lado para a gravação final. Então, não pré-gravei nada para a banda ouvir antes, o que foi uma sugestão deles mesmos".
"Eu tinha as músicas registradas no meu iPhone, só no violão. Não fiz mais nada até que a E Street Band chegasse. Então foi assim, eu tocava para eles no violão, eles aprendiam na hora, entrávamos no estúdio e gravávamos imediatamente, todos tocando ao mesmo tempo, ao vivo. Gastamos umas três horas por música, umas duas músicas por dia e, nuns quatro ou cinco dias, estava feito. É um recorde para a gente, sem dúvida. Nós já tínhamos gravado discos em três semanas, mas nunca assim. Se você assistir ao filme, verá a mecânica de como nossa banda funciona. O filme é bem legal ao documentar bem isso. Eu fiquei muito, muito feliz em gravar tão rápido porque, de outra forma, eu fico louco tentando descobrir o que é que estou fazendo, afinal".
"É muito melhor gravar em quatro ou cinco dias do que ficar sofrendo em cima daquilo. Em Western Stars, eu trabalhei por muito tempo. The Rising [de 2002] foi em três semanas. Varia. Born to Run [1975] foi um ano. Darkness on the Edge of Town [1978] levou um ano e meio. Em Greetings from Asbury Park, NJ [1973], meu primeiro, foram duas ou três semanas."
A bela sequência de fotos que estampa a capa do disco foi realizada no Central Park. Apesar de ter sido feita há cerca de dois anos, ela caiu como uma luva no projeto. "No final, é tudo uma questão de acidentes felizes; é como a criatividade funciona", diz Springsteen. "Há tanta coisa não planejada que acontece no caminho e que acaba sendo melhor que o planejado. Por exemplo, a gente chegou ao estúdio e estava nevando naquele dia. Olhamos para a neve. Thom Zimny põe neve no filme".
"E durante as performances na Broadway, em 2018, Danny Clinch me ligou umas dez vezes para tirar fotos em Nova York. E acontece que, na tarde em que saímos, havia uma nevasca louca na cidade e ele tirou fotos minhas na neve. "Então, de repente, a neve se torna uma personagem importante tanto nas gravações quanto nas filmagens e, se você é um bom artista, você está recolhendo toda essa informação e usando".
Ao final da conversa, Springsteen respondeu sobre o fato de ter aberto seus últimos shows no país, em 2013, com a música Sociedade Alternativa, de Raul Seixas. Antes disso, ela havia tocado em São Paulo em 1988, na turnê Humas Rights Now!, que dividiu com artistas como Sting e Peter Gabriel. "Um dos meus maiores arrependimentos é de eu não ter ido tanto aos países latinos para desenvolver uma base de audiência semelhante à que fizemos nos Estados Unidos e na Europa. Foi uma oportunidade perdida. Eu particularmente acho que deveríamos ter ido mais nos anos 1980".
"Então, quando fomos em 2013, eu estava bem interessado no que estava rolando por aí e quem eram os artistas de rock mais populares dos países em que iríamos tocar. Eu conversei com pessoas de cada país, perguntei quais eram suas músicas favoritas ou artistas. E aí eu passei um tempinho aprendendo a canção e, com minhas péssimas habilidades linguísticas, e interpretando-a o melhor que pude. Foi muito bacana, eu adorei fazer e fico feliz que isso tenha significado algo para o público local".
*por Ivan Finotti