Com protagonista lésbica, novo episódio de "The Last of Us" incomoda gamers conservadores

24.06.2020 | 18h37 - Atualizada em: 25.06.2020 | 13h42
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The Last of Us

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No primeiro game, o foco é a construção de uma relação de pai e filha entre os dois protagonistas

O jogo "The Last of Us Part 2" só foi lançado agora, mas há alguns meses já vinha causando rebuliço entre os gamers conservadores. As personagens principais são assassinas sanguinárias. Ao longo do jogo, matam centenas sem cerimônia - afinal vivem numa anarquia pós-apocalíptica, abalada por uma perigosa pandemia. Mas o que parece incomodar alguns jogadores revoltosos é o fato de a protagonista Ellie ser lésbica e antagonizada por outra mulher, Abby, que é "puro músculo, um caminhão", nas palavras da roteirista do game, Halley Gross.

Completam esse caldeirão um personagem trans, um culto religioso e o fato deste violento mundo em frangalhos não ser dominado só por homens - mulheres ocupam posições de mando e de destaque, além de serem boas de briga. Em redes sociais, alt-rights apelidaram o jogo de "the lesbian of us" e foi invocada a quimera da "ideologia de gênero". O jogo é a continuação do premiado "The Last of Us", de 2013, que figurou em inúmeras listas de melhores games da década. A trama original segue a dupla Joel e Ellie em sua jornada pelo que já foi chamado de Estados Unidos, território agora destruído por uma pandemia causada por um fungo zumbi - a segunda parte acontece cerca de cinco anos depois.

No primeiro game, o foco é a construção de uma relação de pai e filha entre os dois protagonistas - um homem que perdeu sua filha de sangue logo no início da pandemia e uma menina de 14 anos que cresceu sem nunca ter conhecido o mundo "normal". Até então, o máximo que há é um selinho entre duas adolescentes, mas que acontece só no DLC (espécie de "faixa extra"). Em "The Last of Us Part 2", Ellie tem 19 anos e faz sexo com outras moças -não há cenas explícitas, vale esclarecer.

Sobre os bombardeios online de revoltados com um game com romance lésbico, Neil Druckmann, diretor e roteirista, diz que "como as pessoas vão se sentir em relação ao material é problema delas". "Temos um grande orgulho da temática do jogo." Mas e quanto a possíveis críticas vindas do outro lado do espectro ideológico, sobretudo quanto ao "lugar de fala"? "Sou um de vários [roteiristas que trabalharam no jogo]. Independentemente da minha identidade, é o trabalho do escritor 'ser' diferentes tipos de pessoas. Nunca assassinei ninguém, não sei como é estar grávida, mas tive experiências de vida, traumas, relacionamentos. No final das contas, são todos humanos. E, mesmo que você tenha tido as mais diferentes experiências de vida, você precisa fazer uma boa pesquisa", diz Druckmann.

"Eu presumo que a maioria das pessoas que vão jogar esse jogo não será de lésbicas de 19 anos", afirma a roteirista Halley Gross. "Mas espero que isso faça com que os jogadores terminem o jogo e vejam pessoas com as quais eles talvez não sentiriam nenhum tipo de conexão e digam 'é, talvez haja algo ali com o qual eu possa me identificar'." Da Lara Croft de 1996 à Ellie de 2020, a forma como mulheres são retratadas nos games vem mudando, e não é exagero dizer que o primeiro "Last of Us" exerceu um papel nesse processo, sobretudo no território dos AAA, como são chamados os jogos blockbuster.

Nos longínquos anos 2000, o mundo conheceu a franquia de games "God of War" e seu herói, Kratos, que, entre uma matança e outra, se deitava com mulheres várias. Elas tinham peitos, bundas e cinturinhas de proporções pornográficas, embora nem sempre tivessem arcos narrativos. Há dois anos, a franquia voltou repaginada, agora sem peitudas acariciando uma o mamilo da outra. No game mais recente, o brutamontes Kratos tem um filho, com quem tem uma relação até semelhante à de Joel e Ellie.

No "Last of Us" de sete anos atrás, o personagem principal era um texano no estilo "cabra-macho", mas personagens femininas já iam na contramão da mulher-objeto. Na continuação deste ano, "a maioria dos personagens cresceram conhecendo só esse mundo pós-pandêmico, em que sua vida está em constante ameaça", diz Gross. "Se você está vivo nesse mundo, você é muito capaz, não importa seu gênero."

Sobre a antagonista Abby, que também é uma personagem jogável, pairou o rumor de que ela seria trans. Ela tem um corpo musculoso, braços fortes - não chega a ser um Kleber Bambam, mas também está longe de uma Gisele Bündchen. A Naughty Dog, estúdio que desenvolveu o jogo, nega que Abby seja trans. Mas a história conta com um personagem transgênero de fato, fugido de um grupo religioso radical. Ele é interpretado pelo ator Ian Alexander, da série "The OA". Não é a primeira vez que um personagem de fora do universo cisgênero dá as caras em um jogo de videogame - e nem será a última.

Em 1988, "Super Mario Bros. 2" já tinha a personagem Birdo. "Ele pensa que é menina e prefere ser chamado de 'Birdetta'", dizia a descrição do manual.

"Tell me Why" trará o drama de dois gêmeos univitelinos, sendo que um se identifica como mulher e o outro como homem. Deve ser lançado para Xbox e PC neste ano pelos criadores de "Life Is Strange". "The Last os Us Part 2", sob escrutínio desde bem antes de seu lançamento, teve parte de seu conteúdo vazado há alguns meses, o que desencadeou ainda mais reações ao teor político do jogo. Druckmann, então, recebeu ataques inflamados, incluindo ameaças de morte e ofensas antissemitas, segundo a revista Wired.

Entre os críticos, no entanto, o jogo beira a unanimidade no agregador Metacritic, com uma nota de 95 - a máxima é 100. O Guardian achou o game "inovador e poderoso", enquanto o Washington Post o chamou de "um dos melhores já criados". Já a nota que agrega avaliações dos usuários comuns, por outro lado, é 4,1 - sendo a máxima 10, um possível indício das guerras culturais no mundo dos games.

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