ENTREVISTA: Corinne Bailey Rae fala sobre o processo de criação do novo disco

24.11.2023 | 01h30 - Atualizada em: 06.12.2023 | 00h39
Foto do colunista em frente a uma parede de museu.
Por Lucca Cantisano
Corinne em uma de suas apresentações ao vivo.

BLOG

Mundo Itapema

A artista britânica lançou "Black Rainbows" e falou com a Itapema sobre negritude e as mudanças que levaram a seu novo som.

Aos 44 anos, a artista está sendo aclamado pelo seu novo disco, uma reinvenção do seu som clássico, e falou com a Itapema sobre o processo de composição e suas inspirações. Confira a entrevista na íntegra:

 

Corinne, como você está se sentindo com o lançamento do disco?
É maravilhoso, eu estou esperando há tanto tempo por esse disco e estou trabalhando nele há muito tempo e de certa forma é maravilhoso, mas também um pouco surreal. Quando nós começamos a turnê o álbum não tinha saído então estávamos cantando as músicas para pessoas que nem haviam ouvido elas e é legal agora tocar as músicas e ter algumas pessoas cantando junto e perceber que se passou pouco tempo e as pessoas estão ouvindo, então sim, é muito bom saber que está no mundo e não é só minha responsabilidade mostrar para as pessoas e que as pessoas têm acesso a ele.

Este álbum é quase como um renascimento de certa forma, uma reintrodução de você mesma, é o que eu senti, e é uma partida para sons mais experimentais em comparação aos seus discos mais antigos. O que mudou?
Eu acho que o som foi muito afetado pelo material. Eu não estava indo atrás de fazer um disco, eu fui visitar esse prédio em Chicago, o Stony Island Arts Bank, e vi fotos dele, soube sobre o que era, e quando eu entrei eu fui tão afetada por todas as coisas dentro, sabe? Toda a arte nas paredes, o fato de que era arte de pessoas negras, todos os 26 mil livros, sobre assuntos que passei muito tempo lendo sobre quando criança. Eu talvez tenha lido todos os livros sobre assuntos de negritude na biblioteca da minha escola e eu definitivamente li muitos deles na biblioteca da minha universidade, mas estar num lugar onde havia 26 mil livros nesses assuntos e estavam apresentados de uma forma linda, eu estava estarrecida. Abri livros, olhei fotografias. Eu fiquei lá só pela manhã, mas assim que eu saí eu sabia que eu queria voltar, então eu acho que ele soa como soa porque eu estava tendo uma resposta física a todas as coisas que eu estava vendo e algumas eram muito felizes, mas muitas eram muito difíceis, algumas eram meio ambíguas, sabe? Mas foi muito animador e foi uma resposta no meu corpo e é por isso que a música saiu como saiu, às vezes precisava ser parada e quieta e às vezes precisava ser explosiva então virou muitos estilos musicais. Além disso, eu estava fazendo o disco e na minha cabeça era um projeto secundário então eu pensei “Eu não tenho que fazer como qualquer coisa que eu já fiz antes porque vai sair e não vai ter meu nome e as pessoas podiam só perceber e se surpreender”. Eu não precisava pensar sobre nada que fiz antes, então estilisticamente foi bem diferente também.

Stony Island Arts Bank

E como o processo de fazer esse álbum foi diferente dos outros?
A maior diferença no processo foi o fato de que eu não estava me sentando e tocando meu violão e pensando sobre o que a música poderia ser ou sobre o que eu poderia escrever, eu senti que não havia dúvidas sobre isso, eu senti que só fui puxada junto. Eu não estava pensando em escrever um disco quando eu estava no prédio, o Theaster Gates me mostrou esse espaço e disse “Você deveria vir tocar aqui.” Mas eu pensei sobre a música que eu tinha e pensei que aquele não era o lugar certo para isso. Esse lugar tinha toda uma história e esse peso, e era muito legal, e eu pensei que se eu fosse tocar ali eu precisava tocar músicas novas, músicas que eu não tinha feito. Quando eu vi os objetos lá dentro eu me percebi reagindo em músicas, em poesia, com imaginação. Criar histórias, mas para pessoas cujas histórias se perderam no tempo. Foi um projeto muito novo para mim porque eu não estava escrevendo sobre as minhas próprias experiências. Havia tantas histórias ricas no Banco então foi muito fácil pegar essas histórias. E também como lá virou minha obsessão e eu pensava sobre o tempo todo e lia sobre o tempo todo, quando eu de fato me sentei e tocava uma música ou me sentei com meus fones no estúdio, tanta coisa saiu porque tudo estava dançando na minha cabeça o tempo todo.

E como foi a experiência de ter lançado o disco, como ela foi diferente?
Eu acho que é muito diferente porque eu nunca imaginei que sairia, eu trabalhei nele por tanto tempo e eu realmente acredito nele mas também há uma fase muito vulnerável em que se pensa “Será que alguém vai ouvir? Será que alguém vai ligar?”. Mas eu realmente fiz pensando na minha própria reação a todos esses objetos, então é bom que saiu, eu nunca imaginei que sairia, mas é bom que o álbum está indo bem, e estou muito feliz com isso, estou sendo convidadas para participar de programas de televisão e tudo isso, então sim, estou muito contente.

O rock mais focado em guitarra influencia parte desse álbum, como a faixa “Erasure”. Eu sei que você teve uma banda antes da sua carreira solo, você acha que de certa forma foi uma volta às suas origens?
As primeiras músicas que eu fiz foram com minha guitarra e foram naquela banda e era alto e eu gritava, e tocávamos normalmente em lugares pequenos com uma centena de pessoas. Era sempre muito barulhento, eu me lembro, e imersivo. Então quando eu entrei num estúdio pela primeira vez e coloquei o fone eu conseguia ouvir minha voz com muita clareza pela primeira vez. E isso afetou muito a forma como eu gravei, não tinha guitarras para eu gritar por cima. Eu podia usar uma parte da minha voz que eu não usava antes, eu podia ser bem conversativa. Mas eu sempre tive esse background do indie e o fogo daquela música. Eu costumo dizer que quando eu entro em palco minhas bochechas doem porque eu sorrio tanto, pela música ser tão positiva, então sorrio não de uma forma falsa, mas a música é tão adorável que sempre saio do palco com o rosto doendo de tanto sorrir, e eu sentia falta de ser todas as outras coisas, como na minha banda indie. Havia outras emoções, especialmente raiva e então quando eu encontrei raiva em mim mesma em resposta aos objetos do Banco, principalmente os objetos na Coleção Edward Williams, objetos problemáticos coletados do passado dos Estados Unidos, objetos racistas e negativos em relação a pessoas negras, desenhos e cartões postais, cartões de violência racial, manchetes de jornais, bonecas, objetos de cozinha, muitos dos quais eram próximos de mim. Eu cresci numa certa versão diferente de negritude mas eu tive contato, mesmo crescendo nos anos 1980, com essas coisas, elas tocaram no meu mundo, mesmo morando na Inglaterra. Então o choque do apagamento da feminilidade das mulheres negras e o apagamento da infância negra, como crianças negras não conseguiam viver o mundo de forma inocente e pura, mas sim de forma mais próxima aos adultos, colocadas em perigo, ou expostas a situações indecentes ou de violência. A minha resposta ao apagamento da humanidade das pessoas negras foi essa música que meio que saiu de forma física, batendo na guitarra em uma nota só, não é musicalmente complexo mas eu senti que era uma resposta apropriada a isso tudo. 

 

"Black Rainbows" está disponível em todas as plataformas pela Thirty Tigers.

Matérias Relacionadas