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Em entrevista exclusiva, o artista compartilha detalhes sobre sua relação com o pai, seu processo criativo, a independência artística e sua conexão com o público brasileiro.
Estamos aqui hoje para falar sobre Son of a Broken Man, seu novo álbum que foi lançado dia 18 de outubro,pela sua própria gravadora Storefront Records, certo?
Xavier: Sim, autofinanciado, autogerido, autodeterminado, auto produzido. E um pouco egoísta.
E vamos falar sobre sua turnê também, sua turnê mundial. Ouvi dizer que você já está no Brasil.
Xavier: Sim, estou em São Paulo, Brasil, "obrigado, valeu". O Brasil sempre me trata tão bem.
É como uma linda dama que eu, não sei por que não volto e a vejo mais porque ela é tão legal e tão graciosa e tão amorosa, tão acolhedora, tão calorosa. Eu preciso vir aqui por um mês e realmente ficar aqui. Eu sempre venho alguns dias, e saio. Eu preciso ficar aqui e apenas aproveitar. Eu sempre ouço todas as músicas. Não sei quem são os artistas, mas eu simplesmente amo a música.
Então vamos falar sobre Son of a Broken Man. Eu tenho ouvido o disco desde que foi lançado e eu tenho que dizer, é uma obra-prima. Me tocou musicalmente, espiritualmente.
Xavier: Sim, foi uma jornada muito espiritual. Acho que é a mais antiga das história da humanidade, é a luta entre pai e filho. Há sempre uma luta. Esta é uma história épica de muito tempo atrás. Então eu acho que esse álbum é muito pessoal para mim. E é difícil para mim ser assim. Eu era criança. Eu vivi na rua desde os 12 anos. Eu só. E eu acho que tem algumas crianças assim no Brasil também, eu ouvi. Isso foi muito, e eu não queria admitir. Isso parecia fraco para mim. Mas agora eu sou um homem adulto. Eu quero dizer que realmente isso me destruiu, isso emocionalmente realmente me machucou e eu tentei ser tão forte. Mas é difícil. Muito doloroso acontecer com uma criança. E meu pai, ele era muito... além do rigoroso, com algo psicologicamente prejudicial. Meu pai simplesmente parou de falar comigo, e eu sou o oitavo de 15 filhos. Quando meu pai me teve, ele tinha 63 anos e minha mãe tinha 30. Era uma diferença de idade enorme. Então meu pai era como Deus, não importa o que ele dissesse. E meu pai costumava dizer, ei, você não existe. E eu queria contar essa história porque, em primeiro lugar, não quero que isso aconteça com outras pessoas. E dois, acho que talvez seja isso, esse tema comum de conflito com crianças e pais. Às vezes está tudo bem, as pessoas ficam bem. Mas muitas vezes seus pais estão te prejudicando e eles podem nem saber. Ninguém colocou uma criança na rua no 12 ou 11. Meu pai parou de falar comigo. E então eu nunca mais falei com ele. E então eu estava vivendo no sistema, no orfanato. Então eles vieram e disseram, ei, seu pai morreu. Então isso me destruiu também, mesmo que ele seja tão abusivo, malvado. Isso me destruiu, porque dói, porque é meu pai, sabe?
E agora você declarou nas redes sociais que essa é a chance que você está tendo de falar com ele [seu pai] e dizer o que você fez com sua vida, certo?
Xavier: Sim, tem uma música que se chama California Loners. Eu pensei: o que eu diria ao meu pai? E eu apenas escrevi. Eu escrevia e chorava, escrevia, chorava.
Mas o que eu me perguntei enquanto ouvia o disco, sabendo que você o escreveu para o seu pai, é se você já se perguntou que mensagem você está enviando para o Xavier de 12 anos? O que você está dizendo a ele através de Son of a Broken Man?
Xavier: Uau, isso é ótimo. Ninguém, ninguém me fez essa pergunta antes. Acho que estou dizendo a ele...está tudo bem.Que todos e tudo neste mundo é nosso professor. Hoje mesmo, você é minha professora. Nós estamos todos ensinando algo uns aos outros. E que você vai conseguir. Você vai ficar bem. Se eu falo muito, eu fico emotivo. Mas o que eu posso dizer além disso é que todo mundo é seu professor, cara. Todo mundo deveria ensinar isso, aquela pequena janela de 11/12/13 anos, que é tão pequena em comparação a vida. Na verdade, olhe para além disso. E continue. Acho que eu diria isso a ele. Eu quero abraçá-lo e fazer todo tipo de coisa, sabe. Ele era uma pessoa muito confusa. Mas qualquer pessoa seria confusa se você se sentisse indesejado, se você se sentisse rejeitado. Mesmo quando adultos, se nos sentimos indesejados e rejeitados, isso não é bom. Eu posso agir de forma violenta ou agir de forma louca ou agir de forma inapropriada porque me senti muito mal. Eu não sentia que valia nada. E isso fez com que eu me tornasse um narcisista extremo, para poder simplesmente me permitir ser um ser humano e dizer a mim mesmo que tá tudo bem sentir essas emoções.
Muitos artistas negros do sexo masculino em todo o mundo estão falando sobre como os homens negros não podem mostrar fragilidade. E eu senti que você fez isso. Foi uma atitude muito ousada. E você sempre repete que você transforma coisas ruins em coisas boas. E eu gostaria de saber como você sente que isso se aplica à sua experiência de vida de ser uma pessoa negra nos Estados Unidos?
Xavier: Bem, quero dizer algumas coisas que têm a ver com meu pai Son of a Broken Man. Não quero simplesmente destruí-lo [pai] completamente porque meu pai nasceu em 1905. Mas eu acho que tudo isso tem a ver quando você dizem os homens negros na América, eu acho que muitas das coisas que ele fez, até mesmo meu sobrenome, meu pai inventou. Eu acabei de saber disso. Acho que meu pai fez isso porque, sendo um homem negro na América, o racismo naquela época era apenas…não podemos imaginar. 1905. O fardo deles era pesado. Então meu pai é abusivo, mentiu e todas essas coisas. Mas ele estava sentindo essa dor. Eu nunca senti essa dor. A maneira como eu abordei tudo. Homem negro na América, sabe? Não vou mais carregar o fardo de ninguém. Eu não vou andar pela minha vida: "Meu Deus, olha. É preto. Não sai". Eu não posso mais viver assim e não vou pensar no que não posso fazer. Eu me recuso. E não vou brigar com ninguém. O que vou fazer é ser grato neste mundo e não vou julgar ninguém se não conseguir ver o que eu vejo. Então eu olho para o fato de ser negro, cara, é a mais bela bênção já concedida. Isso é algo que eu abraço. Eu me sinto incrível. Uau, que sorte eu tenho! Então olhamos para a música no mundo. Seria muito diferente sem, negros. Quero dizer, Brasil, Jamaica, Cumbia, reggae, Soul, funk, R&B, jazz, hip hop, rap, house music, ethnomusic, disco music e podemos continuar. Seria diferente. Então por que eu deveria sentir algo ruim sobre isso? Eu me sinto feliz sobre isso, e é claro para navegar é o que pegamos dos nossos ancestrais, pegamos o que foi ruim e transformamos em música. Você pega o que é um obstáculo e faz dele poder. Eu pego o trauma e faço ele trabalhar para mim. Sinto muito, não vou usar drogas, ou me sentir mal ou ser violento ou me sentir terrível. É isso que eu sinto como Fantastic Negrito.
E através da Storefront Records, você começou uma missão de espalhar essa alegria de ser negro porque você disse que: "o povo é minha gravadora" e "nós produzimos aquilo em que acreditamos, nada mais". Por que, por que você começou a Storefront Records?
Xavier: Porque eu não queria nada. Cheguei a um ponto em que não queria nada. Eu lembro quando eu tinha 20 anos, eu queria, eu queria ser famoso. Eu queria ganhar dinheiro. Eu queria ter carros, mulheres, drogas. Quero todas essas coisas. Mas eu sei que conforme fui ficando mais velho, quando eu não queria nada, isso me dava poder. E mesmo como o Fantastic Negrito Fantástico, a indústria fonográfica não me queria. Diziam: “você é louco, você é velho demais. Você está tocando essa música. É tipo rock, o que é? Funk, soul. Decida quem é você”. E eu exergo para além disso, e eu não quero nada de você [indústria]. Você sabe, o que eu aspiro é viver para outras pessoas, criar algo incrível, ser útil para as pessoas.. E é exatamente isso que a Storefront Records é.
E você se autodenomina um pesadelo de marketing. Você pode me falar mais sobre isso?
Xavier: Quer dizer, olhe para mim. O mainstream, eles têm alguma fantasia sobre quem você é. Se você é um artista de Blues, “vamos lá, dê nos o Blues, cara!” Eles querem assim. Eles precisam te categorizar. Mesmo enquanto uma pessoa. “Você é um cara. Você tem barba engraçada. Você tem que se encaixar bem aqui e não se mover para que eu possa comercializá-lo e vendê-lo. Vou te vender. Tenho a melhor cocaína, tenho uma namorada de 20 anos. Tenho um iate, tenho um carro. Tenho que pagar por isso. Preciso te vender, se comporte”. E eu não sou um Negrito muito bem comportado. Porque eu sou um artista e eu amo ser um artista. Eu nem gosto de ser músico. Eu gosto. Eu gosto de apenas criar. Então isso me torna um pesadelo de marketing para a indústria musical. “Preciso que você se comporte. Faça isso, faça aquilo, agora posso te vender”. Sabe, isso é muito nojento de fazer com as pessoas. Se você quer fazer isso com carregadores de telefone, sim, você quer fazer isso com água, faça. Mas não faça isso com um ser humano com uma alma. Por que você acha que tantos artistas morrem no palco, sozinhos? Pense nos artistas.
Você não se encaixa em nenhum gênero. E você já disse em outras entrevistas que cresceu ouvindo hip hop e que há um pouco de hip hop e tudo o que você faz. E eu pude sentir isso especialmente neste álbum, porque você traz momentos de spoken word,e em "First to betray me" você faz uma colagem sonora com uma guitarra funky no fundo. E eu sei que você faz loops de seus próprios acordes e bateria, você meio que sampleia você mesmo. Então me conte um pouco sobre isso.
Xavier: Sim, eu cresci no hip hop. Eu sou um filho da geração hip hop. E uma coisa que aprendi sobre o hip hop, sendo um cara mais velho do hip hop…era incrível porque você tinha crianças pequenas nos conjuntos habitacionais, e elas não tinham nada. E o que eles fizeram? Eles fizeram algo. Eles criaram um gênero totalmente novo e naquela época até a música punk era nova e fazia um encontro com o hip hop, todos esses gêneros. O Run DMC estava se conectando com o Rock'n'roll…é tudo o que eu chamo de música de raízes negras [black roots music]. E por que eu teria que rejeitar essas músicas? Não, eu abraço tudo isso porque é tudo lindo e sim, eu sempre tive o sentimento do hip hop porque eu não quero mentir sobre quem eu sou. Claro que eu amo punk, eu amo rock. Mas eu cresci com hip hop sabe, meus grupos favoritos eram, EPMD, Digital Underground, Public Enemy, Tribe Called Quest. O primeiro show que fiz foi abrindo para o The Fugees. Mesmo nos anos 90. Arrested Development, De La Soul, eu fiz turnês inteiras com essas pessoas. Então sempre tive afinidade com o hip hop. E mesmo como Fantastic Negrito, quando eu voltei eu era um cara velho. Eu não sabia o que há de novo na música, então o álbum que me influenciou no meu primeiro disco foi To Pimp a Butterfly. E eu encontrei esse garoto [Kendric Lamar] que eu penso ser um dos maiores artistas que já ouvi. Então esse álbum influenciou The last days of Oakland, meu primeiro disco. Ouça esse álbum, você realmente pode sentir a influência. E eu fiz discos com Blackalicious, E40, o Pharcyde, eu fiz discos com todas essas pessoas.
O que podemos esperar do seu show em São Paulo e como você está se sentindo sobre se apresentar aqui novamente?
Xavier: Bem, estou me sentindo sortudo e abençoado, e extremamente sortudo de estar aqui novamente. Eu chamo meu show de igreja sem religião. Então o sentimento de elevação, a vibração mais elevada e o inesperado. A musicalidade às vezes pode fazer curva à esquerda ou à direita, o inesperado. Mas esperem o sentimento de um culto, mas sem religião. Se não sentir a vibração espiritual, eu te devolvo seu dinheiro. Se eu não toquei na sua vida, pegue seu dinheiro de volta.
Fantastic Negrito se apresente hoje em São Paulo, no Cine Joia, às 21h.
O álbum Son of a Broken Man já está disponível para streaming em todas as plataformas.