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Em entrevista exclusiva à Itapema, o músico escocês falou sobre 2020, pandemia e seu novo álbum, "Good Luck, Seeker"
É bem difícil delinear a diferença entre a banda The Waterboys e seu idealizador e fundador, o músico escocês Mike Scott: o artista é o único membro permanente do grupo, que já mudou de formação diversas vezes. Mas o próprio Scott admite que "não há diferença entre Mike Scott e os Waterboys: os dois são a mesma coisa. Eles se referem a mim e a qualquer pessoa que seja minha companhia musical no momento."
O projeto está na estrada desde 1983, quando lançou o single A Girl Called Johnny - nos anos seguintes, com a mudança de Scott para a Irlanda, o grupo foi fortemente influenciado pela música celta e folk. Já no início dos anos 1990, The Waterboys voltou a pegar mais pesado nas guitarras. Agora, lançando Good Luck, Seeker, seu 14º álbum de estúdio sob o nome The Waterboys (isso sem contar os trabalhos solo), Mike Scott, que completa 62 anos no próximo mês de dezembro, descreve a sonoridade do novo registro como "soul e rock". Em uma entrevista exclusiva via Zoom, conversamos com o músico sobre o novo disco. Confira abaixo:
Itapema: Como você descreveria Good Luck, Seeker, tanto em matéria de sonoridade quanto a respeito da temática das letras?
Mike Scott: É um álbum de soul e de rock. Metade dele é composta de canções propriamente ditas, e a outra metade de faixas faladas ["spoken word", em inglês]. Ele tem temas demais para resumir, mas eu diria que a segunda parte do disco, a parte falada, é mais filosófica. O álbum foi feito no ano passado, então eu não abordo o tema da pandemia nele, coronavírus, nada disso.
Itapema: Você tem produzido seus clipes mais recentes por conta própria, certo? Como tem sido esse processo?
Mike Scott: Eu produzi cinco dos vídeos. Eu tenho dois editores em Nashville, Tennessee, que são muito receptivos às minhas ideias: essa conexão é o que torna meus vídeos possíveis. Eu gravei muita coisa nessa sala mesmo, nesse estúdio que você vê atrás de mim, às vezes com uma tela verde. Um ano e meio atrás, eu gravei um vídeo nas ruas de Tóquio, em que eu simplesmente andava pela cidade, me gravando, no estilo selfie, enquanto cantava a música. E em Tóquio todo mundo está sempre filmando ou fotografando coisas, ninguém prestou atenção em mim. Talvez eu não conseguisse fazer isso aqui em Dublin, ou em Nova York, porque ia chamar atenção das pessoas; talvez elas tentassem entrar na gravação ou algo parecido, mas em Tóquio ninguém deu bola. E conseguir gravar esse vídeo me provou que eu conseguiria fazer mais coisas nesse mesmo estilo. Eu gravo e mando para meus amigos em Nashville editarem.
Itapema: Uma das faixas que ganhou vídeo se chama Dennis Hopper [ator e cineasta norte-americano morto em 2010]. Você é um fã de Dennis Hopper?
Mike Scott: Eu sou um grande fã! Sou mais fã do homem do que do ator, na verdade, embora eu também goste dele como ator, é claro. Acho que é um personagem extremamente interessante. Ele esteve presente em tantos momentos-chave da contracultura: ajudou a promover Andy Warhol quando ninguém sabia quem Andy Warhol era; trabalhou com James Dean; estava lá no começo da pop art; estava lá no estouro das artes nos anos 1960 e no auge do movimento hippie. Escrever essa música também foi um desafio divertido como compositor, porque eu precisei encontrar muitas palavras que rimassem com "Hopper".
Itapema: Eu imagino que, se não fosse a pandemia, você teria planos diferentes para a divulgação deste álbum. Como tem sido lançar e promover um disco em meio a esse novo cenário?
Mike Scott: Gravar os vídeos foi parte da minha reação a isso. Normalmente eu estaria na estrada, divulgando o álbum por meio de shows e festivais - e agora eu tenho que encontrar outra forma de promover o disco, mas ao mesmo tempo tenho mais tempo de me dedicar aos vídeos. Então tenho investido nisso.
Itapema: Vários países europeus anunciaram a retomada do lockdown nos últimos dias. Como você se sente a respeito disso? Eu acho que muita gente já estava com a sensação de que a pandemia estava passando, e de repente ela parece voltar com força total...
Mike Scott: Eu acho que todo mundo que pensou que a pandemia já estava acabando está maluco! Ela não está acabando, e nunca esteve. Eu acho que as pessoas simplesmente estavam a fim de voltar a viver suas vidas normalmente, e os governos queriam que os negócios voltassem a funcionar, então começaram a relaxar a quarentena. Eu sei que no Brasil vocês têm um governo que meio que nega a existência do coronavírus... Na Irlanda, o governo começou agindo de uma maneira bem realista, o que foi efetivo em diminuir o número de casos e de mortes, mas por volta de junho eles começaram a relaxar - e as pessoas começaram a agir de um jeito normal demais, como se nada estivesse acontecendo. Então, claro, os casos voltaram a subir, e muita gente está morrendo de novo. Todo mundo precisa agir junto para controlar o que está acontecendo.
Itapema: Como tem sido a quarentena para você?
Mike Scott: Meu estúdio é a poucos minutos da minha casa, então, para mim, é bem tranquilo ir de casa para o estúdio e vice-versa. Então não tem sido tão ruim. Mas imagino que deva ser muito difícil para muita gente. Imagine ter que conviver com um familiar abusivo, por exemplo?
Itapema: Este tem sido um ano maluco, mas você lançou um álbum, então é uma coisa boa da qual se lembrar. Pelo que mais você acha que vai lembrar o ano de 2020?
Mike Scott: Bom, eu tenho passado bastante tempo com a minha filha, o que é muito bom. Gravei muitos vídeos, que é algo que eu nunca fiz antes. E também vou lembrar das eleições norte-americanas. Hoje eu vi que há boas notícias a respeito de uma vacina, então fiquei bem animado. Estou esperançoso.
Itapema: Você nunca fez shows no Brasil. Qual é a primeira coisa que vem à sua cabeça quando pensa no país?
Mike Scott: Acho que a primeira coisa que todo mundo aqui da Europa lembra quando pensa no Brasil é dos grandes times de futebol - especialmente a Seleção Brasileira nos anos 1970 e 1990, de que todo mundo aqui ainda se lembra muito bem. Nós conhecemos um pouco de música brasileira, samba... E acho que associamos o Brasil muito fortemente com o Rio de Janeiro e a Amazônia. (risos) São pequenas peças que vem à nossa cabeça quando pensamos no Brasil.
Itapema: Será que depois da pandemia podemos ter esperanças de ver The Waterboys no Brasil?
Mike Scott: Eu realmente espero poder fazer shows no Brasil um dia. Eu fico muito surpreso de saber que há pessoas no Brasil que gostam da música do Waterboys, aliás. Fico muito feliz e emocionado de saber que nossa música chegou até o Brasil, e espero poder tocar para vocês um dia.