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Em entrevista exclusiva à Itapema, a dupla irlandesa falou sobre seu novo álbum, "Where I Should End", e a saída gradual do lockdown
Morgana MacIntyre e Gemma Doherty se conheceram em Dublin, na Irlanda, em 2014: as duas tinham acabado de se formar na faculdade, e estavam na cidade para tentar uma carreira na música - na época, Morgana trabalhava em uma livraria; e Gemma dava aulas de harpa e piano. Logo elas perceberam que seus talentos e aptidões se complementavam: multi-instrumentista, Gemma também já estudava produção musical; enquanto Morgana sempre foi uma compositora, escrevendo letras de canções desde criança - ela cita Joni Mitchell e Leonard Cohen como suas duas maiores inspirações.
Assim surgiu a dupla Saint Sister - com as composições de Morgana, os arranjos e produção de Gemma, e as vozes combinadas de ambas. O single de estreia do duo, Madrid, rendeu um EP de mesmo nome; e, desde então, elas já lançaram dois álbuns: Shape of Silence, de 2018, e Where I Should End, que saiu agora em 2021.
Conversamos com as artistas para uma entrevista exclusiva, que você confere abaixo. Em uma manhã de Olimpíadas, Morgana e Gemma falaram à Itapema via Zoom, cada uma de sua casa; e comentaram ter torcido, alguns dias antes, pela vitória da skatista brasileira Rayssa Leal nos Jogos de Tóquio.
Itapema: Vocês já tinham finalizado Where I Should End quando a pandemia estourou?
Morgan: Nós estávamos em turnê nos Estados Unidos quando a pandemia começou, e estávamos no processo de finalizar a mixagem do álbum. Acho que eu fico feliz porque estávamos nesse estágio da criação do novo disco, porque, com a pandemia, se o álbum ainda não estivesse finalizado, nós teríamos tempo demais para pensar nele e analisar o que fizemos. Acho que ficaríamos voltando, e refazendo, e mudando coisas, e usando esse tempo livre para enlouquecer a respeito disso. (risos) Então acho que foi ótimo que já estivéssemos com o disco finalizado.
Itapema: E como foi ter que esperar todo esse tempo para finalmente lançar o álbum?
Gemma: Na época, foi bem frustrante. Mas foi um momento tão estranho para todo mundo... Todo mundo precisou parar o que estava fazendo, repensar, mudar de planos. Nós realmente nos dedicamos a trabalhar na parte visual do álbum, as artes, os vídeos. Tivemos muito mais tempo que o normal para pensar nesse tipo de coisa. E precisamos explorar maneiras mais criativas de trabalhar no lançamento, o que é divertido. Acho que não teríamos tido esse tempo se tivéssemos lançado o disco normalmente e já começado uma turnê ou coisa parecida. Tentamos ver o lado positivo do que aconteceu. Mas claro que é muito bom poder finalmente lançar esse trabalho e permitir que outras pessoas o conheçam.
Itapema: Desde o início da pandemia, muitos artistas reforçaram sua presença nas redes sociais, e o contato com o público por meio delas. Como isso é para vocês?
Morgan: É ótimo poder estar em contato mais direto com as pessoas por meio das redes sociais. Nós recebemos mensagens incríveis, conseguimos responder perguntas diretamente por ali. Mas, ao mesmo tempo, acho que nenhuma de nós se sente super confortável com isso, ainda. Claro, como todo mundo, nós passamos bastante tempo nas redes sociais, mas apenas consumindo, sabe? Estar expostas ali é uma novidade para nós. Mas é a maneira como o mundo funciona agora. Se você gravou um disco, você precisa promover esse disco nas redes, ou é como se ele não existisse. É um pouco assustador. (risos) E há muita coisa acontecendo; TikTok, virais, eu nem consigo acompanhar tudo. Precisamos encontrar uma maneira de nos comunicar nas redes sociais que não seja forçada ou estranha para nós.
O que eu quero dizer é que, claro, as redes sociais sempre foram uma parte do nosso trabalho como artistas, mas agora parecem ser a maior parte do nosso trabalho. E antes da pandemia acontecia mais naturalmente: você faz um show, grava um trecho, posta alguma coisa sobre os bastidores... Nesse período nós precisamos criar especificamente conteúdo para as redes sociais. Algumas pessoas são ótimas nisso; eu adoro seguir pessoas que são realmente boas e naturais e divertidas nas redes. Mas acho que nós ainda não estamos 100% adaptadas.
Itapema: A Europa está aos poucos saindo do lockdown, inclusive realizando eventos ao vivo. Quais são os planos de vocês nesta nova fase?
Gemma: É um pouco complicado. Ninguém sabe realmente como as coisas vão evoluir ao longo do ano. Aqui na Irlanda, neste verão, ainda bem, nós estamos gradualmente saindo do lockdown - mas veja, é um processo realmente gradual. Mas pelo menos há alguns eventos começando a aparecer: coisas ao ar livre, com capacidade reduzida, com distanciamento social. São coisas bem diferentes de apresentações que faríamos há alguns anos, porque, como eu disse antes, as pessoas precisaram realmente ser criativas com sua arte. Mas é um começo, definitivamente. Nós temos alguns shows e festivais agendados aqui na Irlanda, e esperamos poder fazer uma turnê pela Irlanda e pelo Reino Unido a partir de novembro. Mas estamos vivendo meio que semana a semana, deixando as coisas fluírem, vendo o que vai ser possível fazer.
Itapema: Vários críticos e jornalistas definem a música de vocês como "atmosfolk", ou "folk atmosférico". O que vocês acham desse termo? Como vocês mesmas descreveriam a música que fazem?
Morgan: Eu acho que houve uma época em que nossa música era mais "folk atmosférico", e há algumas faixas neste disco que ainda podem ser descritas exatamente assim. Digamos assim: eu não acho que não seja um bom rótulo para nossa música - e nem acho que rótulos sejam ruins, especialmente quando você está tentando descrever uma banda ou artista para alguém que ainda não conhece. Porque vários artistas têm essa postura de "eu não quero ser colocado em uma caixa", mas eu entendo. Acho que temos sim coisas atmosféricas no álbum, bastante folk, um pouco de pop, um pouco de eletrônico. E, pela primeira vez, nós usamos bastante elementos acústicos, gravados ao vivo com uma banda, o que é uma diferença em relação ao nosso primeiro trabalho.
Gemma: Acho que "folk atmosférico" não é um termo ao qual nos opomos; é um termo adorável. Mas claro que não é algo que fazemos propositalmente ou algo ao qual tentamos nos manter presas. Quando vamos para o estúdio, tentamos não nos limitar pelo que já fizemos antes, pelo que apresentamos no palco. Cada canção é um pequeno mundo. Nós sentamos e fazemos a música que parece certa naquele momento.
Itapema: Imagino que vocês estejam bem focadas na divulgação do novo disco por enquanto, mas vocês já tem coisas preparadas para um próximo projeto?
Morgan: Pessoalmente, para mim, tem sido um ano meio difícil para compor. Eu sei que as pessoas passam por fases diferentes e enfrentam as coisas de modos diferentes. Há pessoas que usaram o tempo extra para se isolar e escrever um monte, mas eu sinto que preciso de mais estímulos para compor. Quando eu estou super ocupada, fazendo várias coisas, quem sabe até sob um pouco de stress, eu tenho mais ideias para escrever. Então foi um pouco complicado. Mas, sim, nós já temos algumas coisas. E estamos empolgadas para trabalhar mais nessas novas ideias.
Itapema: Como é o processo criativo de vocês? Como é trabalhar com outra pessoa na criação musical?
Gemma: Acho que o processo varia um pouco de música para música, e também tem mudado ao longo dos anos. Normalmente, especialmente neste último ano, nós trabalhamos separadamente. Eu foco nos arranjos e na produção, e Morgan escreve as letras e melodias. Muitas vezes uma de nós tem uma ideia - às vezes é uma canção quase pronta, às vezes só algumas palavras -, grava, envia para a outra; a outra trabalha um pouco naquilo, e envia de volta... É quase como um jogo de tênis. (risos) Vamos trocando ideias. Sinto que nós trabalhamos de maneira bastante próxima, mas não necessariamente nas mesmas faixas ao mesmo tempo.
Acho que trabalhar assim com outra pessoa pode mesmo ser difícil, especialmente no começo. Você precisa vencer algumas barreiras. Você se sente vulnerável trocando ideias criativas - e se essa ideia for idiota, ou não for boa?
Itapema: O que vocês acham de saber que a música de vocês está fazendo sucesso na Itapema, uma rádio do Brasil? Gostariam de vir tocar no país algum dia?
Gemma: Tocar no Brasil seria um sonho, absolutamente. Eu nunca estive no Brasil.
Morgan: Nem eu. Mas há muitos brasileiros aqui na Irlanda, nós conhecemos alguns deles, e todos sempre são incrivelmente amigáveis. Então eu sinto que, de certa forma, os dois países tem uma relação especial. Alguns anos atrás um amigo meu foi ao Brasil para um casamento, e ele se divertiu tanto! Eu morri de inveja por não estar com ele naquela viagem. (risos)
Gemma: É muito louco pensar que a nossa música pode chegar tão longe, ainda mais por ser um lugar onde nunca estivemos. É fascinante! Mas acho que esse é o lado bom da internet e das redes sociais, de que estávamos falando antes. É fácil reclamar das redes e esquecer esse fato maravilhoso, de que ela pode aproximar pessoas dessa forma.