Em "Ghosteen", Nick Cave reflete sobre fé e a perda do filho adolescente

21.10.2019 | 17h45 - Atualizada em: 21.10.2019 | 17h44
Por Marina Martini Lopes
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Cave compôs as canções em sua casa, em Brighton, Inglaterra, e diz ter encontrado uma maneira de "escrever além do trauma"

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O novo álbum é o primeiro duplo de Nick Cave and the Bad Seeds desde "Abattoir Blues/The Lyre of Orpheus", de 2004

Em julho de 2015, enquanto Nick Cave e a banda Bad Seeds gravavam o álbum Skeleton Tree, o filho do músico, Arthur Cave, foi encontrado morto após cair de um penhasco na região turística conhecida como Ovingdean Gap, na Inglaterra. O menino tinha 15 anos. Quando Skeleton Tree e o documentário One More Time With Feeling foram lançados, em 2016, o tom sombrio e até mesmo perturbador das canções foi atribuído por muitos à morte de Arthur, como se Nick Cave estivesse falando da perda do filho nas letras e composições - mas a verdade é que a maior parte do disco foi escrito antes da tragédia, com apenas alguns versos adicionais improvisados nas sessões finais de gravação.

É apenas em Ghosteen, 17º registro de estúdio de Nick Cave and the Bad Seeds, que o artista vem refletir sobre a morte do filho - e de uma maneira surpreendente: embora o trabalho trate de temas como morte, perda, luto e existencialismo, também há nas letras um bocado de empatia, fé, e, por que não?, otimismo. Cave compôs as canções em sua casa, em Brighton, Inglaterra, e diz ter encontrado uma maneira de "escrever além do trauma. Tratar de todos os tipos de assunto, mas sem voltar as costas ao tema da morte do meu filho. Tentei ir além do pessoal e chegar a um estado de contemplação: fazendo isso, as cores voltaram às coisas com uma nova intensidade, e o mundo pareceu novo, claro e brilhante."

Um exemplo é a música The Mustard Seed, inspirada em um conto budista sobre uma mãe, Kisa Gotami, que acaba de perder seu bebê. Conforme recomendado pelo Buddha, ela, supostamente para salvar a criança, precisa recolher sementes de mostarda em casas onde ninguém nunca tenha morrido - claro, Kisa não consegue reunir as sementes, uma vez que não encontra uma família que já não tenha sido abalada por um período de luto. Assim sendo, Kisa enterra seu bebê; e volta a administrar sua casa, agora mais um lar onde a morte já deixou sua marca. A mensagem é clara: Cave sabe que não está sozinho em sua tristeza; e diz ao ouvinte que ele também não estará, quando sua hora de passar pela perda e pelo luto chegar.

Foto: Divulgação

O anúncio de Ghosteen foi feito no dia 23 de setembro de 2018, de forma discreta, pelo próprio Nick Cave, em resposta à pergunta de um fã no site The Red Hand Files, por meio do qual o artista vem se comunicando com seu público desde o segundo semestre do ano passado - uma espécie de sequência virtual dos eventos limitados Conversations with Nick Cave, durante os quais o cantor e compositor respondia perguntas dos fãs. No mesmo mês, a Bad Seeds ainda precisou lidar com a perda do integrante Conway Savage, que fazia parte da banda desde 1990, e morreu de um tumor no cérebro. Algumas semanas depois da morte de Savage, o grupo lançou Distant Sky: Live in Copenhagen, em áudio e vídeo.

Ghosteen é o primeiro álbum duplo de Nick Cave and the Bad Seeds desde Abattoir Blues/The Lyre of Orpheus (2004); e a parte final de uma trilogia que, além de Skeleton Tree, inclui Push the Sky Away (2013). O primeiro disco traz oito músicas, descritas por Cave como "as crianças"; e o segundo traz duas faixas mais longas, e uma falada, que o artista define como "os pais delas". O trabalho foi gravado entre o final de 2018 e o início de 2019 em diversos estúdios dos Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha. O título é uma combinação das palavras "ghost", "fantasma"; e do sufixo "een", que indica algo pequeno - a inspiração para o nome foi um livro em que o autor acredita que seu filho foi possuído por um espírito. A capa é ilustrada por The Breath of Life, pintura de 2001 assinada pelo artista Tom duBois.

Ouça Ghosteen abaixo:

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