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Com Leonardo DiCaprio e Brad Pitt nos papéis principais, nono filme do diretor é uma homenagem à indústria cinematográfica em seu período mais efervescente
Por GaúchaZH
Nono filme de Quentin Tarantino, Era Uma Vez Em... Hollywood carrega no nome a homenagem que o cineasta presta à indústria cinematográfica e ao período cultural mais frutífero e desafiador para atores e diretores que buscavam sucesso no século passado: o fim dos anos 1960, época que abalou o mundo inteiro com as ideias dos hippies, dos místicos, do rock e de toda a contracultura.
Era Uma Vez Em... Hollywood também é uma referência ao mestre do faroeste Sergio Leone, conhecido pelos clássicos Era Uma Vez No Oeste (1968) e Era Uma Vez Na América (1984), e que Tarantino já havia celebrado em Os Oito Odiados (2016), seu oitavo longa. Curiosamente, o amigo e colaborador frequente de Tarantino, Robert Rodriguez, também já homenageou o mestre italiano no título do filme Era uma vez no México (2003).
Desse modo, espera-se uma mistura de ação com muito drama de Leonardo DiCaprio e Brad Pitt, que dividem os papéis principais interpretando um astro em decadência que busca se reposicionar em um mundo em transformação e seu ex-dublê com um passado nebuloso. O tempero da trama são fugas de carro, brigas, sangue, uma seita misteriosa inspirada em um caso real e um assassinato que marcou o cinema.
Além de uma trilha sonora marcante, sempre presente nos filmes do diretor, com hits de uma geração que prometeu mudar o mundo - como Bob Seger com Ramblin' Gamblin' Man e Simon & Garfunkel com Mrs. Robinson. Tudo bem à moda Tarantino.
Com a estreia do filme nos Estados Unidos, críticos americanos já deram o tom do que os brasileiros verão somente a partir do dia 15 de agosto, quando a produção chega às salas nacionais.
Era Uma Vez Em... Hollywood se passa em 1969. Leonardo Dicaprio interpreta o ator Rick Dalton, que teve seu auge nos anos 1950 como um astro do bangue-bangue em séries de televisão. Diante de uma Hollywood subitamente invadida por atores, produtores e diretores que queriam menos pompa e mais cinema de arte, seu temor é de que alguém o diga, com todas as letras, que ele "já foi grande". Tem como companhia diária seu ex-dublê Cliff Booth, papel de Brad Pitt, que nos dias de glória podia correr, pular e rolar no lugar de Rick Dalton, mas agora passa as horas dividindo cervejas e conduzindo o astro em ostracismo por uma Los Angeles riponga.
Para fazer essa homenagem à indústria do cinema, Tarantino pegou inspiração em diversas produções que marcaram época. Além do grande Sergio Leone, há o clássico Sem Destino (Easy Rider), lançado no mesmo ano de 1969 e considerado um marco da contracultura e da vida sem regras que os jovens americanos desejavam viver. Também há os títulos que foram perdendo espaço, típicas produções de faroeste como Sangue de Pistoleiro (1958) e Bandoleiros do Arizona (1965) — com as quais atores como Rick Dalton puderam ascender.
Como estratégia de marketing, o canal pago Sony vai exibir os títulos que serviram de pano de fundo para a Hollywood retratada no nono longa de Tarantino. Entre os dias 5 e 11 de agosto, o canal exibe a programação "Uma Semana de Clássicos no Ritmo dos 60’s", com direito a comentários exclusivos do diretor.
Outra sacada da produção foi divulgar no Spotify a trilha sonora do filme: há hits mais flower power como California Dreamin' na voz do mexicano José Feliciano, algo mais alegre como Hey Little Girl de Dee Clark e o rock mais pesado do Deep Purple, com as pérolas Rush e Kentucky Woman.
Pouco antes do serial killer Charles Manson morrer em 2017, aos 83 anos, Tarantino já havia anunciado que usaria a história do líder de uma seita dos anos 1960 em seu novo longa. Chegou-se a pensar que a trama seria inteiramente sobre Manson, mas o misterioso homem é apenas um ponto na narrativa. Importante, pelo que se sabe.
Manson era uma espécie de guru que dizia ser a reencarnação de Jesus. Liderou uma seita de hippies formada em sua maioria por mulheres, que cumpriam o duplo papel de discípulas e amantes do "líder". Eles acabaram se instalando no Rancho Spahn, em Los Angeles, lugar que serviu de set de filmagens para diversos bangue-bangues. Só que Manson escondia um desejo: ser um cantor e compositor de sucesso. Apresentou algumas músicas suas ao produtor Terry Melcher, que acabou renegando seu trabalho. Melcher era o dono na mansão em morava um casal-símbolo na Hollywood da época: o diretor polonês Roman Polanski e sua esposa, a atriz Sharon Tate, considerada uma musa do cinema por sua beleza.
Com ímpetos racistas e uma inspiração delirante em mensagens cifradas que ele dizia ouvir na discografia dos Beatles, em especial O Álbum Branco (1968), Manson imbuiu-se da certeza de que deveria armar uma guerra civil entre brancos e negros. Liderou seus seguidores para cometer assassinatos e, desse jeito, tentar incriminar o movimento negro.
— Meu técnico de som me contou que chegou a dar carona para Charles Manson. Todo mundo de Los Angeles daquele tempo tem uma história. Queria fazer um filme que fosse uma pintura: linda no centro e embolorada nas bordas, até que uma hora o bolor se espalha — contou Tarantino em recente entrevista ao Fantástico, justificando a inclusão no filme do assassino mais famoso do século 20.
Na madrugada de 9 de agosto de 1969, quatro integrantes da seita saíram do Rancho Spahn e seguiram até a mansão em que vivia Polanski, em Beverly Hills. Mataram todas as pessoas que encontram na casa: amigos do diretor e funcionários da mansão, além de Sharon, com apenas 26 anos e grávida de oito meses. Polanski estava em uma filmagem na Europa. O assassinato tornou-se um dos grandes mistérios do século 20 e uma espécie de produto cultural daquela época, ainda que maculado.
No filme, Manson é interpretado pelo ator Damon Herriman. Em seus passeios por Los Angeles, Rick Dalton e Cliff Booth cruzam com a turma do guru, sempre rodeado de mulheres. Uma dessas garotas é Pussycat, papel de Margaret Qualley, a quem o dublê (Brad Pitt) dá uma carona até o rancho em que ela vive com uma comunidade que inclui o tal "Charlie".
Na mesma entrevista ao Fantástico, DiCaprio refletiu sobre o papel de Manson na desconstrução do ideal preconizado por aqueles jovens americanos.
— Eu sou de Los Angeles, filho de hippies. E Manson representou o fim do idealismo e da inocência hippie que meus pais achavam que o mundo poderia vir a ser. E meus pais ainda falam desse tempo, que continua fascinando gerações — disse o ator.
Mesmo que esteja em declínio, Rick Dalton tem como vizinhança um casal ilustre: os próprios Roman Polanski e Sharon Tate. No filme, ela é interpretada por uma atriz cujo talento e beleza têm hoje o mesmo reconhecimento que Tate ganhou em sua época: Margot Robbie, estrela de Eu, Tonya (2017) e O Lobo de Wall Street (2013). O diretor polonês é vivido por Rafał Zawierucha.
Tarantino queria que a personagem de Margot Robbie fosse além da imagem de uma vítima do assassino Manson.
— Fiz muita pesquisa sobre ela e fiquei apaixonado. Aparentemente, era uma pessoa incrivelmente doce. Todo mundo que a conhece conta a mesma história, sobre essa pessoa terna. No filme, nós dirigimos com ela por Los Angeles, fazendo algumas tarefas. Eu queria mostrar estes momentos de Sharon antes do assassinato, para que começássemos a pensar nela como mais do que só uma vítima — disse, em entrevista ao Entertainment Weekly.
Irmã de Sharon Tate, Debra Tate aprovou ao papel e elogiou a pesquisa feita para compor a personagem.
– Ela realmente me comoveu a ponto de me convencer de que era Sharon. Ela fez um trabalho tão maravilhoso que, para mim, pessoalmente, a visita foi muito curta. Eu tive minha irmã de novo diante de mim, e foi uma visita muito curta – disse ela à Vanity Fair.
Outro ícone que entra na homenagem de Tarantino à Hollywood é o praticante de artes marciais e ator Bruce Lee, que naquela época ainda engatinhava no cinema, mas já havia interpretado o icônico papel de Kato na série de televisão O Besouro Verde.
Admirador de artes marciais (vide Kill Bill), Tarantino coloca Bruce Lee (Mike Moh) para lutar com o dublê vivido por Brad Pitt justamente no set de O Besouro Verde. Assim como o resto da trama, pouco se sabe sobre a cena, mas a filha do astro das artes marciais deu declarações dizendo que não gostou da forma como o pai foi representado.
Shannon Lee disse ao site The Wrap que se sentiu "desconfortável" ao ver Bruce retratado de um jeito "ofensivo". De acordo com ela, o pai sempre evitava entrar em brigas e sofreu muito preconceito por ser asiático.
— Ele parece um idiota arrogante e cheio de exibicionismo. E não como alguém que teve que batalhar três vezes mais duro do que qualquer uma daquelas pessoas, para conseguir o que para alguns veio naturalmente. Fiquei muito desconfortável sentada no cinema ouvindo as pessoas rirem do meu pai — reclamou Shannon.
Tarantino foi cuidadoso na escolha do elenco que faria essa representação de Hollywood. Prova disso é que escolheu os dois atores-galãs mais prestigiados do atual meio cinematográfico: DiCaprio e Pitt, ambos na meia-idade.
Mas há outros nomes interessantes. Filha de Uma Thurman, estrela de Pulp Fiction (1994) e Kill Bill (2003 e 2004), Maya Hawke é uma garota flower power na trama — uma sugestão curiosa de Tarantino, já que a atriz de 20 anos que faz sucesso na incensada Stranger Thingsrepresenta o novo na indústria audiovisual agora liderada pelas séries.
Outro grande nome daquela época, o ator Steve McQueen é interpretado por Damian Lewis (de Homeland). Al Pacino, astro dos atros, ator de super produções que renovaram Hollywood como O Poderoso Chefão (1972), Um Dia de Cão (1975) e Scarface (1983) faz uma aparição como o agente de Rick Dalton.
— Ontem à noite vimos dois filmes de Rick Dalton. Era tanto tiro! Adoro isso, sabe. Muitas mortes — diz um nostálgico e envelhecido Al Pacino em um dos trailers de Era Uma Vez Em... Hollywood.