No 2019 de "Blade Runner", faltam smartphones e sobram orelhões; saiba o que o filme (não) previu

03.11.2019 | 12h30
Anna Rios
Por Anna Rios
Cena de "Blade Runner: O Caçador de Androides"

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Ambientado em novembro de 2019, filme de 1982 tentou imaginar o futuro

Obras de ficção científica como Blade Runner: O Caçador de Androides, de 1982, são uma ferramenta excelente para entender a falta quase completa de linearidade no desenvolvimento da ciência e da tecnologia. Trocando em miúdos: quem acha que é possível prever com precisão o conhecimento e os aparelhos que teremos no futuro quase sempre quebra a cara.

O exemplo mais óbvio disso, aliás, fica escancarado logo nas primeiras cenas do clássico de Ridley Scott. No mundo real, ainda não temos – e provavelmente não teremos tão cedo – carros voadores, já que os perigos, o custo e a dor de cabeça logística são grandes demais. Por outro lado, não há sombra de smartphones na Los Angeles dos replicantes.

O caçador de androides vivido por Harrison Ford até consegue fazer chamadas de vídeo – só que de um orelhão. Pense em como isso soa absurdo neste novembro de 2019, mês em que o filme se passa. 

Quando a narrativa nos apresenta ao teste de Voight-Kampff, usado para separar replicantes de seres humanos, analisando as reações emocionais do sujeito a determinadas perguntas, o mais curioso, do ponto de vista do conhecimento atual, é que algo supostamente tão sofisticado precise se valer de medidas indiretas, como a dilatação dos vasos sanguíneos ou das pupilas.

Enfiar os suspeitos num aparelho de ressonância magnética e observar o funcionamento de seus cérebros conforme respondessem provavelmente seria um jeito mais fácil e preciso de revelar sua natureza. O problema é que essa tecnologia não tinha amadurecido quando o filme foi produzido, embora pesquisas a respeito já fossem feitas nos anos 1970.

Por outro lado, um elemento da narrativa bastante alinhado com as tendências atuais de várias áreas da ciência é a estranha mistura de engenharia genética e cibernética que permitiu a criação de animais androides e dos próprios replicantes. Mesmo nesse caso, porém, convém ir devagar, muito devagar, com o andor.

Sim, é verdade que as técnicas de edição do DNA estão ficando cada vez mais sofisticadas e versáteis. Mas ainda estamos longe de selecionar com precisão características complexas de um embrião humano e produzir pessoas superfortes ou imunes à água fervente –características dos replicantes –, o que deve continuar sendo só ficção científica por muito tempo, ou para sempre.

O motivo não é muito difícil de entender. Primeiro, ninguém sabe em quantos e quais genes é preciso mexer ao mesmo tempo para alterar traços fundamentais da biologia humana. A chance de algo dar errado é alta e, mesmo se a modificação for feita conforme o esperado, características aparentemente vantajosas muitas vezes têm efeitos inesperados.

Quanto ao desenvolvimento acelerado dos bioandroides, é difícil conceber um cérebro e um corpo humanos que sejam competentes "de fábrica". A infância humana existe por um motivo: é esse processo lento de aprendizado e desenvolvimento que torna a cognição da espécie flexível o suficiente para lidar com desafios complexos. Para a sorte do somo sapiens "versão 1.0", sair desse script na vida real é algo que tem bases tão frágeis quanto as proverbiais lágrimas na chuva do filme.

Por GaúchaZH

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