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Filme sul-coreano ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes
No centro de Parasita existe um buraco negro. Ele separa, numa imponente mansão, a área social do lugar que os pobres frequentam, uns para viver, outros para se digladiar.
A atenção dada ao lugar por Bong Joon-ho, autor do filme que levou a Palma de Ouro em Cannes neste ano, é evidente. Ela é marcada por ligeiros travellings, movimento de câmera no qual ela se desloca pelo espaço, cada vez — ou quase — que a passagem aparece.
Essa passagem delimita dois mundos — o dos ricos e o dos pobres. Embora contíguas, essas duas categorias
(ou classes sociais) vivem em mundos à parte. No dos ricos, só o homem trabalha, mantém a sua empresa, enquanto a mulher mal se ocupa da casa, com a ajuda de uma governanta.
A mãe se preocupa obsessivamente com o filho, que certa noite, conforme sua narrativa, viu um fantasma (uma cabeça que apareceu no buraco negro, justamente). A família vive sem nenhuma preocupação, e essa ausência de preocupação parece engendrar uma incapacidade de lidar com o mundo dos pobres, que ignora.
Do outro lado existem os pobres, os vigaristas. Mas também podem ser chamados de artistas, tanto faz. O importante para eles não é como são chamados, mas a capacidade que desenvolvem de representar vários papéis (professores, motorista, governanta), de modo a se introduzir na mansão e desfrutar dos salários pagos pelos ricos.
Não se trata de um assalto ou coisa assim. São servidores. Por vezes, aproveitadores, sem dúvida. Seu problema não é esse, mas sim a existência de um bunker projetado para acolher a rica família em caso de ataque. Daí nascerá o real conflito do filme, em que pobres e pobres se enfrentam por um bom tempo, enquanto os ricos mal percebem o que se passa. As consequências virão para todos, é verdade, mas isso diz respeito à intriga, muito original, mas sobretudo reveladora de certos desequilíbrios que afetam a Coreia do Sul.
Num país admirado mundialmente, admirável mesmo, pela maneira agressiva como passou do subdesenvolvimento a um invejável avanço tecnológico e cultural, o progresso parece ter deixado — ao menos é o ponto de vista do filme — rastros de seu ritmo vertiginoso nas relações entre as pessoas e as classes sociais.
Os ricos são marcados aqui por viverem alienados num mundo particular em que até mesmo a existência dos pobres é ignorada. Os pobres são relegados a subempregos e condenados a viver em pardieiros, afligidos por dificuldades de todo tipo. Tudo isso seria banal, não fosse a condução formidável de Joon-ho. Ao filme não falta humor nem tragédia, não falta um ritmo ágil, simplicidade e eficácia nos enquadramentos e na direção de atores.
Não falta uma visão aguda dos desequilíbrios de uma sociedade que já povoaram seus filmes com monstros (Hospedeiro), com mães protetoras (Mother), com crimes em série (Memórias de um Assassino, seu melhor filme).
Do terror ao policial, da violência ao fantástico, Joon-ho vai compondo, filme a filme, um quadro notável, talentoso e original desse país que nos parece a princípio tão distante, mas de certos pontos de vista nos é tão familiar, já que esses buracos negros, pelos quais se escoa o mal-estar da civilização, estão em toda parte. Parasita é, de longe, um dos grandes filmes deste ano carregado de bons filmes.
Por GaúchaZH