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Em formato online, evento vai até domingo (6)
A Flip, Festa Literária Internacional de Paraty, um dos marcos mais importantes no calendário anual dos amantes da literatura, terá uma edição bem diferente do normal. Pela primeira vez, não terá curador, autor homenageado nem a paisagem litorânea da cidade histórica fluminense. As 12 mesas do evento, que começa nesta quinta e segue até domingo, terão acesso livre e gratuito pela internet. Podem ser acompanhadas no site da Flip Virtual, no canal de YouTube da festa e em todas as suas redes sociais. Todas terão a opção de tradução simultânea ou de ouvir a conversa no áudio original.
São 21 autores convidados, numa edição também mais enxuta que o normal. A maioria deles é negra e dois terços foram definidos por Fernanda Diamant, curadora que pediu demissão em agosto e não foi substituída. A equipe da organização da Flip deu seguimento aos convites. Acompanhe a seguir um passo a passo da programação, com os principais autores, livros e temas em destaque, e veja o que este jornal já escreveu sobre eles:
A conferência de abertura da Flip, às 18h, será realizada por Bernardine Evaristo, escritora britânica que foi a primeira mulher negra a vencer o prêmio Booker, no ano passado. A Companhia das Letras acaba de lançar seu "Garota, Mulher, Outras", que costura as narrativas de 12 protagonistas negras de diferentes faixas etárias, profissões e sexualidades. Segundo a crítica Priscilla Figueiredo, o romance estabelece Evaristo como uma "referência literária digna da diversidade e complexidade de nosso tempo". Ela conversará, nesta mesa, com a poeta e tradutora Stephanie Borges, que publicou o elogiado "Talvez Precisemos de um Nome para Isso" no ano passado. Depois da mesa de abertura, acontece um encontro com os músicos paratienses Fernando e Marcello Alcantara, que se dedicam a resguardar a cultura caiçara.
A primeira mesa do dia, às 16h, reúne o escritor Jonathan Safran Foer, autor de livros populares como "Tudo se Ilumina" e "Extremamente Alto e Incrivelmente Perto", que divulga seu novo livro "Nós Somos o Clima", de ensaios literários sobre o aquecimento global. Ele já se envolvera com a causa ambiental antes com o livro "Comer Animais", em que aborda o veganismo. Ele conversa com a ativista indígena Márcia Kambeba, geógrafa e pesquisadora que lançou neste ano "Saberes da Floresta", obra que reflete sobre a educação indígena.
Às 18h, Eileen Myles conversará com suas tradutoras Bruna Beber e Mariana Ruggieri. Um dos principais ícones da contracultura e da literatura queer, Myles lançou, pela Todavia, "Chelsea Girls", uma obra escrita ao longo de 14 anos que a autora define como uma espécie de "On the Road" dedicado à experiência feminina.
O dia termina com uma conversa entre a colombiana Pilar Quintana e a brasileira Ana Paula Maia, às 20h30. Quintana publicou "A Cachorra", pela Intrínseca, um livro que retrata uma mulher que não consegue ter filhos e desenvolve uma relação deturpada de maternidade com uma cadela. Em entrevista, ela contou sua história pessoal com uma gravidez tardia e disse que buscava esclarecer que mães são "seres complexos dentro dos quais se aninham todas as emoções, incluindo aquelas que se contrapõem ao amor". Já Maia foi bicampeã do prêmio São Paulo de Literatura em 2018 e no ano passado. A literatura repleta de violência e horror da autora de "Enterre Seus Mortos" e "Assim na Terra como Embaixo da Terra" foi discutida em críticas e em longo perfil na Ilustríssima.
O dia começa às 16h com uma conversa com Lilia Schwarcz, autora de "Sobre o Autoritarismo Brasileiro", que publicou também recentemente com Heloisa Starling o "Dicionário da República" e "A Bailarina da Morte", sobre a gripe espanhola no Brasil. Ela será entrevistada por Flavia Lima, ombudsman deste jornal, e Flavia Rios, socióloga que organizou com Marcia Lima uma grande coletânea do pensamento de Lélia Gonzalez para a Zahar.
A mesa seguinte, às 18h, com o vencedor do último prêmio Jabuti de melhor romance, Itamar Vieira Junior. O autor baiano ganhou o prêmio por "Torto Arado", trama que narra o crescimento de duas irmãs em uma fazenda e reflete sobre a ancestralidade negra e a resistência dos povos quilombolas. Ele discute com o nigeriano Chigozie Obioma, que lançou "Uma Orquestra de Minorias" pela Globo Livros. Finalista do prêmio Booker, é outra obra que dedica muita atenção à questão da ancestralidade africana.
O dia termina com uma das mesas mais esperadas do evento - que já está gravada desde o último sábado, por exigência dos autores. O cantor Caetano Veloso e o filósofo espanhol Paul B. Preciado discutem, às 20h30, a quebra de paradigmas sexuais. Caetano lançou há dois meses o documentário "Narciso em Férias" pelo Globoplay e o livro homônimo pela Companhia das Letras, nos quais narra em detalhes sua experiência como preso político da ditadura militar, que já havia exposto na autobiografia "Verdade Tropical". Os generais o definiam como "agente subversivo e desvirilizante", o que o compositor ainda acredita ser. Já Preciado é um dos principais filósofos da atualidade a se debruçar sobre gênero e sexualidade. Nas crônicas compiladas em "Um Apartamento em Urano", escritas de 2010 a 2018, ele reflete sobre as transições políticas da sociedade enquanto vivencia sua própria transição para o gênero masculino.
O último dia de Flip começa às 14h com um debate sobre saraus e incentivo à leitura, trazendo como convidados Rodrigo Ciriaco, idealizador do projeto "Literatura (É) Possível" e poeta publicado pela editora Nós, e Elisa Pereira, escritora que mora em Paraty e fundadora do sarau Fuzuê Literário na cidade. Às 16h, a americana Regina Porter conversa com o gaúcho Jeferson Tenório. Ambos são autores que construíram livros centrados na formação de famílias negras - ela com "Os Viajantes", obra que acompanha uma árvore genealógica ao longo de várias décadas, com ambições quase de um "Game of Thrones", e ele com "O Avesso da Pele", livro elogiado em que um jovem refaz a trajetória do pai, morto pela violência de um policial racista.
A MC Roberta Estrela D'Alva, uma das principais slammers do país, medeia às 18h uma conversa entre dois performers e escritores que desafiam as convenções de arte e de gênero - Danez Smith e Jota Mombaça. Em entrevista a este jornal em março, Smith, que prefere o uso do gênero neutro, contou sobre as referências de seu "slam poetry", que vão do pastor da igreja ao teatro de Augusto Boal. Mombaça, mais célebre no circuito das artes visuais e performáticas, também se define como artista não binária e vai lançar um livro de ensaios no próximo ano pela editora Cobogó.
O encerramento da Flip, às 20h30, continua no slam. A paulistana Nathalia Leal, que criou o pioneiro Slam de Quinta em Paraty, conversa sobre a arte com Luz Ribeiro, que já foi à Copa do Mundo de Slam e ajudou a criar o Slam das Minas em São Paulo.